IR. JOSELI APARECIDA FERREIRA
27/09/1972 + 04/11/2004Biografia
“A Sabedoria exalta seus filhos e acolhe aqueles que o procuram. Ama a vida quem a ama: os que a buscam desde a aurora, se encherão de alegria”.
Digna de atenção e aprofundamento é esta mensagem bíblica, (Eclo 4,11-18), rezada por Irmã Joseli Aparecida Ferreira, no início da etapa de Formação Inicial-O Noviciado Canônico. Enquanto faz a contemplação, durante a oração pessoal, anota em seu caderno, as moções que lhe foram confiadas pelo Espírito Santo. Escreve: “A sabedoria é dom precioso de Deus, eu devo cuidar deste Dom, como se cuida de um tesouro raro que está em minhas mãos... Senhor Jesus, peço-Te o Dom da Sabedoria, em todos os momentos para que eu não me perca ou me distraia. Que com a Tua Sabedoria, somente das Tuas coisas”.
Em todas as suas partilhas de oração, deixou retratada a alegria imensa de pertencer a Jesus. Junto do Tabernáculo, derramava o seu coração no de Jesus, deixando que Jesus Eucaristia tomasse conta de seu ser. Todas nós conhecemos a dinâmica do Espírito Santo: “O Senhor nunca nos faltará se a nossa dedicação for sincera e generosa, como deve ser; sabemos que Ele nunca nos pedirá tanto quanto Lhe devemos... tanto quanto Ele fez por nós...” Jesus quis passar, na vinha de seus pais, na casa paterna, a chamou e convidou-a para segui-lo mais de perto. Ela não ofereceu resistência! O Senhor quis prepará-la para o “Banquete Eterno”, para o gozo completo de Sua sagrada Face e permitiu-lhe o sofrimento, para que se identificasse mais com o Crucificado. Nesse tempo de ‘forja’, viveu com o coração puro e sequioso por saciar-se, na fonte inesgotável do Amor que transforma. Sentiu-se como um diamante que, encontrado ainda em processo de purificação, vai sendo lapidado, para tornar-se ‘joia’ de grande valor. Nossa jovem noviça, num curto espaço de tempo, após quatro meses de Noviciado Canônico, com dores fortíssimas, foi submetida a uma pequena cirurgia de apendicite supurada que já delineava o perfil da Apóstola, em oferenda. Veio para o tratamento em São Paulo, no Hospital São Camilo. O quadro era grave. Como a dor persistia e não se descobria o mal que lhe afetara, a equipe médica resolveu fazer outra intervenção cirúrgica. Foi submetida a vários exames, para a certeza do diagnóstico, até que foi detectado o tumor maligno que a levaria, precocemente ao encontro, Face a face, com o Senhor de sua vida! Os médicos lhe garantiram, somente alguns meses de vida. O grande desejo da jovem noviça era continuar o Noviciado e pertencer à Família das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus, ‘ser consagrada a Ele’, através dos votos de Pobreza, Castidade e Obediência. Perante os alertas dos médicos, após as cirurgias, foi solicitado, com urgência à Reverenda Superiora Geral e Conselho, a permissão para a Profissão Religiosa e lhe foi concedida tamanha graça. Ir. Teresinha Teixeira da Silva, que fora sua Mestra, no Postulado, de maneira rápida e concentrada, preparou-a para esse solene momento. No dia 21 de maio de 2003, realizou-se o seu grande sonho: Ser Apóstola do Sagrado Coração de Jesus. No leito de dor, sempre acreditando no milagre da cura, ela foi Consagrada ao Senhor através dos Primeiros Votos.
Inicia-se a trajetória da cruz! Ela anota em seu diário de orações: “Deus disse a Abraão “Sai da tua terra, da casa de teu pai... e vai para a terra que eu te mostrarei. ” (Gn) O Senhor me pediu tudo, até a minha saúde, para eu viver somente sustentada do Seu Amor. Amor que me dá Vida e alegria, pois vivo o meu ‘faça-se’ todos os dias, e Ele me revela grandes surpresas. Digo ‘Faça-se’, coloco-me como serva, muitas vezes, sem entender, mas confio somente em Ti”. Jesus, depois que me olhaste nos olhos... não pude mais resistir. Tu me seduziste com um amor verdadeiro e puro que preenche o meu ser! Sinto sede de Ti, de buscar-Te, pois Te adoro! Preciso de Ti”. Estou disposta a deixar tudo, para servir e obedecer ao único Deus. Disposta a ser como os Apóstolos... Todo passa neste mundo, só o Amor de Deus é eterno”. Lá na praia, eu larguei o meu barco, junto a Ti, buscarei outro mar”. Lá na videira da minha casa, no meu trabalho, o Senhor me amou e me chamou! Sou feliz, sou realizada, como Apóstola do Teu Coração”. Dia-a-dia, Ir. Joseli deixava-se consumir, iluminando. Cativava a todos que se lhe aproximavam, com a simplicidade de coração e com o belo sorriso nos lábios, através de seu olhar transcendente e de sua convicção na fé, retratada nas palavras e atitudes, na sincera aceitação da vontade do Pai sobre seu existir. Todos saiam edificados com tal testemunho de fé e simplicidade de coração.
Realmente ela contemplou a maravilhosa Sabedoria do Criador que, lhe proporcionou momentos de intimidade, dádiva oferecida a quem deseja ser possuída deste Amor absorvente, amor que não permite meias medidas. Porque quando se pertence a Deus, não convém sê-lo pela metade. É preciso entregar-se com grande generosidade. Esta generosa e abnegada Apóstola, assumiu a nostalgia de Deus. O Senhor nunca lhe faltou, porque sua consagração e sua dedicação foram sinceras e generosas, como era mister que acontecesse! “É no cumprimento perfeito das pequenas coisas que devemos dar atenção, se desejamos verdadeiramente adquirir a perfeição e mostrar ao Senhor o nosso amor...”
É muito gratificante considerar que temos muitas Irmãs experientes que dão fecundos testemunhos de vida, bem como desta ‘joia rara’ de quem acompanhamos a trajetória da Formação Inicial. Pudemos apreciar tão lindas manifestações de amor apaixonado ao Sagrado Coração de Jesus que lhe revelou sua bondade e misericórdia: “É preciso deixar o bom Deus agir e adorar seus desígnios sobre as almas que Ele chama a si” Quando Ir. Joseli fez o pedido para ingressar no Postulado, escreveu na carta duas citações bíblicas que consideramos proféticas: “Se o grão de trigo não cai na terra e não morre, não pode produzir frutos”. Lanço-me em direção à meta em busca do prêmio que Deus me chama a receber”. Na oração contemplativa, deixa a nota: Fiz a experiência do grão de trigo! Caí nas profundezas da terra escura e permaneci, parada para ser partida, para dar vida. Ao partir, logo busquei o alto, o calor, a luz que me sustenta e me dá vida. Senhor, aumenta, a cada dia, o meu desejo de buscar as alturas! Não nasci para permanecer sepultada, mas para ressuscitar! ”
Cada Irmã ou leigo que conheceu esta criatura de Deus, varonil batalhadora pela Vida, certamente tem grandes depoimentos para oferecer, porém, deixaremos para uma próxima oportunidade. Sua vida, especialmente como Apóstola, foi breve, mas suficiente para preencher inúmeras páginas, formando uma ‘história de amor’, de boas memórias, exemplos de virtudes e testemunhos de vida que delinearam o pequeno grande espaço de tempo que Deus lhe concedeu.
A turma do Noviciado – Ano canônico, com a qual iniciou a Formação Inicial, fez a Profissão Religiosa, em janeiro /2005. Em homenagem a ela, o lema adotado por este grupo foi “FAÇA-SE”. Com a Virgem santíssima, cantamos o MAGNIFICAT em ação de graças pela sua Vida e Vocação. Obrigada, Ir. Joseli, por seu “SIM” e testemunho de Consagrada ao Amor!
Frei Patrício Sciadini, ocd, escreveu: “Tinha aprendido que as princesas não morrem, mas voam silenciosamente para o céu. Depois crescendo me convenci de que também as princesinhas morrem como todas as pessoas. Mas lendo São João da Cruz, que pouco tem a que ver com princesa, mas que tudo tem a ver com o místico, na “Chama de Amor Viva” diz que os místicos, os santos não morrem, eles se arrebentam por dentro de amor e podem dizer para Deus: “Rompe a tela para este doce encontro”. O coração que deseja a Deus se desfaz lentamente e por este anela como cervo pelas fontes das águas correntes.
A morte é simplesmente impiedosa, ela não respeita ninguém, nem juventude, nem afeto de irmãos e pais, e nem, às vezes, escuta as orações de milhares de pessoas que pedem que ela venha, mas não agora, mais tarde. É o mistério que nos envolve. O mesmo Deus quer que nós saibamos suplicá-Lo incessantemente, mas nunca garante que a nossa intercessão será atendida do jeito que nós queremos e como queremos. Ele mesmo vai dizendo a cada um de nós que “os seus projetos não são os nossos”. No dia 4 de novembro, bem de madrugada, às 3h30m da manhã, a morte veio buscar a Irmã Joseli, de 32 anos, das Apóstolas do /Sagrado Coração de Jesus. Deus me deu a graça de conhecer esta Irmã, sorriso e delicadeza, quando a doença começou a aparecer ela era noviça e desejava só uma coisa: fazer a Profissão Religiosa, ser Apóstola. O desejo dela foi atendido pela bondade da Madre Geral, e a Madre Provincial. Agora ela feliz, sentia o céu dentro dela e sabia que o Senhor estava no seu coração. Queria ser Apóstola, imolar-se pela salvação dos pecadores e dentro dela tinha um grande desejo de viver, de ser Apóstola, de fazer o bem. Houve orações e muitas, mas a doença fez o seu curso normal. Ela não escutou a ninguém. Em qualquer momento, mesmo quando o sol da esperança parecia desaparecer e ir longe, Irmã Joseli sempre tinha uma palavra cheia de esperança; sempre animava os outros e quando a dor se fazia grande demais, como “cordeiro imolado” se fazia silêncio contemplativo e orante.
Um dia a minha princesinha me diz: “quando a dor se faz maior do que eu e não consigo suportar, o que devo fazer para agradar a Deus? “Foi aí que me lembrei, quase por encanto, das palavras da Virgem Maria e lhe sugeri que naqueles momentos só dissesse “faça-se” e nada mais. O repetir destas palavras seria muito agradável a Deus porque o mesmo Jesus no seu “ eis-me aqui”, e na Cruz só sabia dizer para o Pai: “em tuas mãos entrego o meu espírito”. “Tudo está consumado”! Ir. Joseli deu provas, ao longo dos muitos meses de dor, num vai e vem, que sua alma estava preparada para Deus. Deus prepara e purifica os que Ele ama. A sua morte foi serena, tranquila. Os funerais da Irmã tinham mais sabor de festa, de paraíso que de choro. Deus envia tantas pessoas boas para que nos ensinem como devemos viver e como devemos amar a Deus, não só na alegria, mas também na dor de cada dia. Ao redor dela, testemunharam os médicos, as enfermeiras: sempre havia gente. O médico cirurgião que a operou dizia que “também eu, se fosse Deus, gostaria de ter perto de mim a Irmã Joseli”. Somos impotentes diante da morte, ela nos faz pequenos, mas a grandeza dos que sofrem por amor, se faz para todos escola de vida. Não há dúvida que Irmã Joseli pode e deve ser apresentada para as jovens como modelo de alma transparente, apaixonada por Deus e cheia de amor e zelo apostólico. Vinha da roça, de ambiente simples e profundamente cristão, onde estava trabalhando no cultivo da uva com seus pais e irmãos. Uma vez ela escreveu: “tenho medo de tanta violência que vejo, eu quero ser de Jesus”. A sua vida interior era louvor, ação de graças. Tinha os olhos transparentes onde o céu e o rosto de Deus se espelhavam como num lago azul. Eu a encontrei, pela graça de Deus, caminhei com ela. Eu soube dizer-lhe palavras boas e ela me deu testemunho de como na vida se deve aceitar a vontade de Deus. A ela sou agradecido. Recordo quando pela primeira vez entrei no seu quarto, aí que a chamei de princesinha e ela me respondeu “ o meu Frei”. Sempre nos chamamos assim e sempre pedimos a Jesus que nos desse o dom da santidade. Ela foi. Eu ainda não sei por quanto tempo vou continuar andando por estas estradas, mas uma coisa é certa, ela de lá rezando por todos e me ensina agora a dizer, embora com dificuldade, quando o sol se esconder: faça-se! Deus é amor, mesmo quando o seu amor se faz dor. Diante da morte nada nos resta a dizer a Deus, diante da morte a nos prender, não podemos fazer nenhuma pergunta a não ser dizer: eis-me aqui! No coração de Deus seremos para sempre luz, vida, cheia de amor. Aqui na terra devemos alimentar a lâmpada acesa com o azeite da fé para que, quando Ele vier, nos encontre preparados, com a lâmpada acesa.
Irmã Joseli estava com a lâmpada acesa e partiu como sempre tinha vivido, sorrindo para nós e sorrindo para Deus. (Jornal “O São Paulo, 10 de novembro de 2004, p.2).
Obs.: Outras informações são encontradas no livro: “Joseli: a alegria floresce na cruz”.